Um psiquiatra olha para trás. Ele revisita seus quarenta anos de carreira, sua prática clínica, a existência dos outros, a própria. Nesta deliciosa narrativa em verso, Paolo Milone abarca a passagem do tempo e expõe a própria matéria da vida. Acompanhamos seu pensamento tão genial quanto honesto sobre o suicídio e a loucura, conhecemos os inesquecíveis Lucrezia, Carmelo, Chiara e compreendemos que, se o psiquiatra muda a vida dos pacientes, os pacientes mudam, por sua vez, a vida do psiquiatra. A sagacidade de Milone é evidente, mas também o é sua fragilidade. O psiquiatra, aqui, se coloca como um homem que não sabe, é instável, exposto. Paradoxalmente, é da insuficiência que surge seu saber, sua visão de mundo ao mesmo tempo sábia e antiga. A arte de amarrar as pessoas dá a ver a passagem do tempo não só por Milone, mas pela própria psiquiatria: enxergamos o que segue incontornável, o que já mudou, o que precisa continuar mudando. Neste livro que mostra as coisas como são, a psiquiatria aparece em sua verdade, em sua nudez, em sua contradição. E a loucura é o que há de mais humano e revelador. «Eu olho o abismo com os olhos dos outros», diz Milone. Mas também com os próprios — e, depois deste livro, somos nós, leitores, que passamos a olhá-lo — a ele, ao abismo — com outros olhos.
Natalia Timerman
Psiquiatra e escritora