«Porque nós vivemos duas vidas, ambas destinadas a acabar: a primeira é a vida física, feita de sangue e respiração; a segunda é a que se desenrola na mente de quem nos ama.» Nestas linhas de Duas vidas estão o mote do texto de Emanuele Trevi. E talvez a grande arte ― e a grande angústia ― do ensaísta seja a tentativa de unir essas duas vidas entre duas capas, entre o início do primeiro parágrafo e o último ponto-final. São as vidas de duas pessoas: o romancista Rocco Carbone e a escritora e tradutora Pia Pera, amigos de muito tempo do autor e mortos prematuramente, de maneira trágica ― a morte sempre o é. Emanuele Trevi percorre as memórias que guarda dos dois e sua investigação resulta em retratos vívidos e comoventes, em odes às personalidades daqueles que ama. Esse olhar é também narrador, pois a vida que se desenrola na mente é fictícia, em busca de seu próprio meio de existência e expressão. Rocco e Pia são memórias que pulsam e persistem ― uma oliveira sobre o concreto, um jardim frondoso e secreto ― e que, graças ao exercício zeloso de Emanuele Trevi, não desbotarão, mas seguirão inspirando o exercício da atenção.«… escrever sobre uma pessoa real e escrever sobre um personagem imaginado é a mesma coisa: é preciso é[…] fazer cintilar um fogo psicológico a partir de alguns gravetos úmidos catados aqui e ali» ― neste livro, as pessoas Rocco e Pia tornam-se personagens de Trevi ― como Elpenor, de Homero; Francis Macomber, de Hemingway; Tatiana, de Onêguin ― e podem, enfim, descansar em seu manso desassossego.
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