«Minha mãe me deu uma foto inteira. Eu a mutilei. O passado, eu o conhecia! Eu queria apagá-lo. Nada sobre meu pai! Porém, de certa maneira, o resultado é o mesmo. Ainda é possível discernir, próximo à margem da foto, um pedaço da camisa xadrez que ele usava naquele dia. Isso atrai o olhar, como atrairia um detalhe bizarro em um quadro arruinado, e confere um caráter de insistência à presença renegada daquele que tornei ausente. Talvez eu também tenha desejado, com este livro que agora apresento à leitura, A sociedade como veredito, partir em busca dessa parte que desapareceu da foto. Não que eu ignore o que figurava nela. Fui eu que a suprimi e que a joguei fora para que ninguém pudesse, jamais, pedi-la de volta. Apesar disso, eu queria saber mais e saber melhor. Menos para me conhecer ou conhecer meu pai, e mais para dar conta da ordem do mundo e das determinações sociais – e políticas – que seu funcionamento inscreve nos menores detalhes de nossa existência, da minha, da dele e da relação entre nós… Não seria meio tarde para isso? Meu pai já não está por aqui para me confiar as informações que antes me interessavam tão pouco e que hoje eu desejo tanto».
A previsão de envio dos livros é 15/01/2023